terça-feira, 28 de agosto de 2012

As coisas perdem intimidas



É difícil perceber que as coisas perdem intimidade, até aquelas que um dia foram muito próximas, algo impressionantemente presente e intenso pode lentamente ou num piscar de olhos perder intimidade. Sei que esta palavra intimidade é difícil de ser definida, pois só ocorre na complexidade das relações, e quando falo relação é a das mais variáveis possíveis. Poderia utilizar a perda da intimidade no sexo como exemplo dessa reflexão, mas seria um texto muito sofrido, pois perceber que o sexo da pessoa amada ou que um dia foi amado perde intimidade e que o toque não revela mais sentimentos é muito angustiante. É muito comum perdemos intimidade daqueles ou daquilo que nos afastamos, penso no encontro de dois irmão que viveram intensas aventuras nas suas primeiras e significativas fazes de vida e agora, adultos, depois de um longo período distantes, se reencontram e percebem que somente sobrou lembranças e muita pouca intimidade, muitas histórias antigas e pouco assunto e cumplicidades.
A distância não precisa ser física, uma viagem, uma separação de anos, uma troca de cidade, a distância pode ocorrer nas barreiras do cotidiano, impostas ou postas por aqueles que se aventuram na arte da convivência. O processo de perda, também não precisa ser lento, como ocorre com muitos casais, que vão desgastando suas relações e num instante de lucidez percebem não reconhecer o outro do seu lado – nesse momento o convívio de anos com uma pessoa indiferente se revela num grande arrepio de estranheza. A intimidade pode ir embora num passe de mágica, sim, porque a intimidade está intensamente ligado com a vivência, se você nega o outro de vivenciar algo contigo, saibas que estas perdendo intimidade. A experiência mais simples que seja, um sorriso, uma história engraçada, ou não engraçada, quando não é compartilhada deixa cada vez mais escondido nossa existência, nossa maneira de interagir com as coisas, com as histórias, com as pessoas. 
O grande segredo da intimidade é deixar-se revelar como somos capazes de nos comunicarmos com tudo que nos rodeia. Não precisamos gostar ou fazer tudo o que o outro deseja e vivencia, mas precisamos experimentar experiências que nos leva ao contato com a intimidade, com a capacidade afetuosa daquele com que estamos trocando experiências. Por isso que é importante guardamos com carinho todos aqueles que um dia nos foram íntimos, mesmo depois da perda da intimidade, pois essa pessoa um dia te conheceu na sua persona intima, percebeu como os sentimentos passam por dentro de ti. Alguns desses devemos sempre chamar de amigos, outros apenas guardar com carinho por ter estado perto quando acabamos, querendo ou não, revelando nosso intimo.


domingo, 26 de agosto de 2012

Educadores que se acostumam. Licença a Colassante




Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma com a escola
com salas frias, tristes e gradeadas,
com tudo ao redor.
E porque não aparenta uma escola
logo se acostuma a não olhar para ela.
E porque não olha para ela logo se acostuma
e acha que tudo é normal.
E porque que tudo é normal
se acostuma a fazer tudo igual.
E a medida que se acostuma, perde o prazer,
esquece o que o levou a estar lá, esquece a alegria de educar..
A gente se acostuma a acordar de manhã
sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A separar a página do livro no ônibus (lancha) porque esqueceu de planejar...
A gente se acostuma a iniciar aula rezando para acabar.
A comer bolachinha água e sal no intervalo para não engordar.
A sair do trabalho pensando quando vai se aposentar.
A olhar a Globo para poder comentar em aula.
A deitar e pensar: amanhã tudo de novo.
A gente se acostuma a abrir os livros
e a ler sobre nos mesmos.
E aceitando tudo, modificando nada,
sempre há professores piores.
E aceitando os piores,
acredita que sua prática é boa.
E se é boa não precisa de mudança,
aceita a fazer todo dia o que fez a anos.
A gente se acostuma a esperar pelo milagre
do dia que a escola vai mudar:
A dar aula para alunos sem
vontade de aprender.
A ser ignorado quando
precisa de ajuda.

Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.

sábado, 18 de agosto de 2012


Ainda sobre os dias dos Pais


Caminhando, caminhando pela rua, eu e o meu filho, de repente parece que já havia vivido aquilo, aquela velha impressão que todos temos, aquela que o cérebro parece produzir uma memória do presente. Mas quase como um raio, surgiu a visão do meu avô caminhando do meu lado, conversando, contando suas histórias, que até hoje não sei se eram reais, ou se ele criava para me fazer viajar na sua particularidade de perceber e ler o mundo. Meu avô, sempre tinha uma boa história na ponta da língua que me fazia imaginar diferentes possibilidades de compreender as coisas da vida. Mais três passos, ao piscar, já estava do lado do meu pai, em silêncio com as duas mãos no bolso e com um baixo assovio, bateu em mim uma vontade de falar algo, mas não sabia o que falar, pois sempre caminhei do lado do meu pai com um estranho sentimento de ser grande, de admiração. O pai sempre andava de carro e quando saíamos numa caminhada era algo que deveria ser saboreado. Mais alguns passos, ali estava eu com meu filho, no seu rosto um intrigante sorriso de satisfação, de força. Parecia aquela pessoa que conquista algo inusitado, aqueles dias que conquistamos o primeiro beijo, o primeiro boletim sem vermelho, caminhava como uma criança que recebeu a primeira medalha. Sei que é muito provável que esses passos não fiquem na sua memória, mas desejo que um dia ela perceba o prazer de estar do lado, simplesmente do lado, ombro a ombro, com as pessoas que admiramos, amamos, pessoas que não só foram responsáveis por aquilo que temos de bom, mas que  ensinam a construir a caixa onde guardamos as nossas  melhores emoções. Senti uma forte vontade de pegá-lo no colo, mas compreendi que não podia cortar seus passos pequenos e atentos, passos preocupados para não ficar para atrás, passos de autoridade de quem pode conquistar o mundo. Um vento frio chegou avisando que não poderei firmar os seus passos, podendo apenas continuar saboreando a companhia daqueles que me acompanham e me ensinam a sentir, a me emocionar, enfim percebi que sou meu filho, meu pai, meu avô, na verdade somos aqueles que admiramos. 

Felipe